Drenagem Urbana
17/04/2018
DRENAGEM URBANA
O ciclo hidrológico sofre fortes alterações nas áreas urbanas
devido, principalmente, à alteração da superfície e a canalização do
escoamento, aumento de poluição devido à contaminação do ar, das superfícies
urbanas e do material sólido disposto pela população. Esse processo apresenta
grave impacto nos países em desenvolvimento, onde a urbanização e as obras de
drenagem são realizadas de forma totalmente insustentável, abandonada pelos
países desenvolvidos já há trinta anos.
Neste artigo são apresentados os principais impactos de quantidade e de
qualidade produzidos na drenagem, as medidas de controle atuais, as medidas
sustentáveis a serem perseguidas no país e por um Plano Diretor de Drenagem
Urbana, mecanismo de implementação das medidas sustentáveis na drenagem.
IMPACTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO NA DRENAGEM A urbanização produz
grande impermeabilização do solo. Esta relação pode ser obtida relacionando a
área impermeável (Ai) e a densidade habitacional (Dh), AI (em %) = 0,489 Dh para
Dh 120 hab/hectare e constante para valores superiores. Equação obtida com base
em dados de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre (1).
A vazão máxima de uma bacia urbana aumenta com as áreas impermeáveis e
com a canalização do escoamento. A vazão máxima unitária (1mm de precipitação)
pode ser estimada com base na AI através de (dados de 12 bacias brasileiras),
onde Qp é obtido em m3/s e A, área da bacia em km2 (2).
Pode-se observar dessas equações que o aumento da vazão máxima depende
da impermeabilização do solo e da ocupação da bacia pela população (3). O
aumento relativo pode ser superior a seis vezes com a relação à situação de
pré-desenvolvimento. Este aumento ocorre em detrimento da redução da
evapotranspiração e do escoamento subterrâneo e da redução do tempo de
concentração da bacia.
O impacto sobre a qualidade da água é
resultado do seguinte: (a) poluição existente no ar que se precipita junto com
a água; (b) lavagem das superfícies urbanas contaminadas com diferentes
componentes orgânicos e metais; (c) resíduos sólidos representados por
sedimentos erodidos pelo aumento da vazão (velocidade do escoamento) e lixo
urbano depositado ou transportado para a drenagem; (d) esgoto cloacal que não é
coletado e escoa através da drenagem. A carga de contaminação dos três
primeiros itens pode ser superior à carga resultante do esgoto cloacal sem
tratamento. Deve-se considerar de 90% da carga do escoamento pluvial ocorre na
fase inicial da precipitação (primeiros 25 mm). Em Curitiba, na bacia do rio
Belém (42 km2) que drena o centro da cidade, com cerca de 60% de áreas
impermeáveis mostrou um aumento de seis vezes na vazão média de inundação com
relação às suas condições rurais (4).
DESENVOLVIMENTO URBANO O grande desenvolvimento urbano no Brasil
ocorreu no final dos anos 1960 até o final dos anos 1990, quando o país passou
de 55 % de população urbana para 76 % (5). Esta concentração de população
ocorreu principalmente em grandes metrópoles com aumento da poluição e da
freqüência das inundações em função da impermeabilização e da canalização. Nos
últimos anos, o aumento da população urbana ocorre principalmente na periferia
das metrópoles, ocupando áreas de mananciais e de risco de inundação e de
escorregamento. Este processo descontrolado atua diretamente sobre as
inundações pela falta de infra-estrutura e da capacidade que o poder público
possui para cobrar a legislação.
MEDIDAS ATUAIS DE CONTROLE A política existente de desenvolvimento
e controle dos impactos quantitativos na drenagem se baseia no conceito
de escoar a água precipitada o mais rápido possível. Este princípio foi
abandonado nos países desenvolvidos no início da década de 1970 (6). A
conseqüência imediata dos projetos baseados neste conceito é o aumento das
inundações a jusante devido à canalização. Na medida em que a precipitação
ocorre, e a água não é infiltrada, este aumento de volume, da ordem de seis
vezes (7), escoa pelos condutos. Para transportar todo esse volume, é
necessário ampliar a capacidade de condutos e canais ao longo de todo o seu
trajeto dentro da cidade até um local onde o seu efeito de ampliação não atinge
a população. A irracionalidade dos projetos leva a custos insustentáveis,
podendo chegar a ser dez vezes maior do que o custo de amortecer o pico dos
hidrogramas e diminuir a vazão máxima para jusante através de uma detenção.
Portanto, o paradoxo é que países ricos verificaram que os custos de
canalização e condutos eram muito altos e abandonaram esse tipo de solução
(início dos anos 1970), enquanto países pobres adotam sistematicamente essas
medidas, perdendo duas vezes: custos muito maiores e aumento dos prejuízos. Por
exemplo, no rio Tamanduateí o custo da canalização foi de US$ 50 milhões/km
(com retorno das inundações), enquanto que no rio Arrudas, em Belo Horizonte,
chegou a US$ 25 milhões/km (logo após sua conclusão sofreu inundações), ambos
valores muito elevados.
CONTROLE MODERNO E SUSTENTÁVEL As medidas de controle podem ser
classificadas de acordo com o componente da drenagem em medidas:
na fonte: que envolve o controle em nível de lote ou
qualquer área primária de desenvolvimento; na microdrenagem: medidas
adotadas em nível de loteamentona macrodrenagem: soluções de controle nos
principais rios urbanos.
Essas medidas são adotadas de acordo com o estágio de desenvolvimento da
área em estudo. As principais medidas sustentáveis na fonte têm sido: a
detenção de lote (pequeno reservatório), que controla apenas a vazão máxima; o
uso de áreas de infiltração para receber a água de áreas impermeáveis e
recuperar a capacidade de infiltração da bacia; os pavimentos permeáveis. Estas
duas últimas medidas minimizam também os impactos da poluição.
As medidas de micro e macrodrenagem são as detenções e retenções. As
detenções são reservatórios urbanos mantidos secos com uso do espaço integrado
à paisagem urbana, enquanto que as retenções são reservatórios com lâmina de
água utilizados não somente para controle do pico e volume do escoamento, como
também da qualidade da água. Atualmente, a maior dificuldade no projeto e
implementação dos reservatórios é a quantidade de lixo transportada pela
drenagem que obstrui a entrada dos reservatórios. Os volumes necessários para o
amortecimento devido à urbanização (alta impermeabilização) são da ordem de 420
a 470 m3/ha (8). Considerando uma profundidade média de 1,5 m, a área
necessária é da ordem de 3% da área total da bacia de drenagem urbanizada.
PLANO DIRETOR DE DRENAGEM URBANA Para implementar medidas
sustentáveis na cidade é necessário desenvolver o Plano Diretor de Drenagem
Urbana. O Plano se baseia em princípios onde os principais são os seguintes:
(a) os novos desenvolvimentos não podem aumentar a vazão máxima de jusante; (b)
o planejamento e controle dos impactos existentes devem ser elaborados
considerando a bacia como um todo; (c) o horizonte de planejamento deve ser
integrado ao Plano Diretor da cidade; (d) o controle dos efluentes deve ser
avaliado de forma integrada com o esgotamento sanitário e os resíduos sólidos.
O Plano Diretor deve ser desenvolvido utilizando medidas não-estruturais
(principalmente a legislação) para os novos desenvolvimentos (loteamentos e
lotes) e medidas estruturais por sub-bacia urbana da cidade. Neste último caso,
são projetadas as medidas para evitar os impactos já existentes na bacia para
um horizonte de desenvolvimento econômico e para um risco de projeto.
Geralmente, a combinação de detenção (ou retenção) com a ampliação da
capacidade de escoamento que minimize o custo, tem sido adotada. O custo de uma
detenção urbana aberta é da ordem de R$110/m3, enquanto que numa detenção
fechada o custo aumenta em sete vezes. A alternativa de detenção fechada só
deve ser adotada quando fisicamente não é possível o uso de uma detenção
aberta. O aumento de escoamento por condutos ou canais é utilizado apenas para
compatibilizar os locais de amortecimento, pois seu custo é ainda superior aos
anteriores. Para áreas muito densificadas o custo médio das medidas estruturais
é da ordem de R$ 1,5 – 2 milhões/km2, reduzindo para menos de R$ 1 milhão em
áreas onde, em parte, é possível utilizar medidas não-estruturais.
A principal medida não-estrutural é a legislação para controle dos
futuros desenvolvimentos. Essa legislação pode ser incorporada no Plano Diretor
Urbano ou em decretos municipais específicos. A prefeitura de Porto Alegre
introduziu no Plano Diretor Urbano e Ambiental artigo que obriga aos novos
empreendedores a amortecer o aumento da vazão em função da urbanização. Foi
proposto um artigo de lei para o controle na fonte (desenvolvimento dos lotes)
que induz o usuário ao uso das medidas na fonte (8).
CONCLUSÕES Os prejuízos devidos às inundações na drenagem urbana
nas cidades brasileiras têm aumentado exponencialmente, reduzindo a qualidade
de vida e o valor das propriedades. Este processo é decorrência da urbanização
e a conseqüente impermeabilização junto com a canalização do escoamento
pluvial. As obras e o controle público da drenagem têm sido realizados por uma
visão local e setorizada dos problemas, gerando mais impactos do que os
pré-existentes e desperdiçando os parcos recursos existentes nas cidades. A
defasagem técnica dos profissionais e a falta de regulamentação da
transferência de impactos dentro das cidades, o limitado conhecimento dos
decisores sobre o assunto são as principais causas dessas perdas. O aspecto
mais sério desse problema é que os órgãos financiadores continuam defasados
tecnicamente e não aceitam os investimentos sustentáveis, além de muitas
escolas de engenharia civil e sanitária ainda ensinarem soluções inadequadas,
com graves prejuízos para a população.
Para mudar esse processo é necessário uma nova geração de engenheiros,
arquitetos e projetistas e a atualização da geração existente, para planejar o
espaço de forma mais sustentável. Além disso, a legislação de controle é
essencial para que os empreendedores sejam convencidos a adotar as medidas na
fonte.
Carlos E. M. Tucci é pesquisador do Instituto de Pesquisas
Hidrológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ( UFRGS) e
ex-secretário do Fundo Setorial de Recursos Hídricos, do Centro de Gestão de
Estudos Estratégicos (CGEE), com sede em Brasília.
Referências bibliográficas
1. Campana, N.; Tucci, C.E.M. "Estimativa de área impermeável de
macrobacias urbanas", Caderno de Recursos Hídricos V12 nº2
p19-94. 1994.
2. Tucci, C.E.M. "Parâmetros do Hidrograma Unitário para bacias
urbanas brasileiras". Artigo submetido à RBRH. 2002.
3. Leopold, L.B. Hydrology for urban planning - A guide book on the
hydrologic effects on urban land use. USGS circ. 554, 18p. 1968.
4. Tucci, C.E.M. Estudos Hidrológicos – Hidrodinâmicos do rio Iguaçu na
Região Metropolitana de Curitiba. Prosan-Suceam Curitiba 2 volumes. 1996.
5. FGV. Plano Nacional de Recursos Hídricos. Fundação Getúlio Vargas, Secretaria
de Recursos Hídricos, MMA. 1998.
6. Urbonas, B.; Stahre, P. Stormwater best management practices and
detetion, Prentice Hall, Englewood Cliffs, New Jersey. 450p. 1993.
7. Tucci, C.E.M. "Coeficiente de escoamento e vazão máxima de
bacias urbanas". RBRH V5 nº1 p. 61-68. 2000.
8. IPH. Plano Diretor de Drenagem Urbana de Porto Alegre, 1ª fase.
Instituto de Pesquisas Hidráulicas. UFGRS. Departamento de Esgotos Pluviais da
PMPA. 2001.
Fonte: Cienc.
Cult. vol.55 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2003
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