No mundo inteiro, a geração e o manejo dos RSU têm tomado boa parte da atenção dos governantes e da sociedade dado seu potencial de crescimento e de degradação ambiental, principalmente, em função do aumento da população e da geração de bens de consumo atrelado a esse fenômeno (Tartari e Féris, 2003). No Brasil, tal cenário não é diferente, a Figura 1 apresenta os dados levantados pelo IBGE no Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB – 2008) no que diz respeito à geração de resíduos sólidos urbanos.
O estado de São Paulo instituiu a Política Estadual de Resíduos Sólidos, através da Lei Estadual nº 12.300 de 16 de março de 2006, a qual possui, dentro de seus princípios, a minimização dos resíduos gerados por meio de incentivos às práticas ambientalmente adequadas de reutilização, reciclagem, redução e recuperação, bem como a redução da quantidade e nocividade dos resíduos sólidos (www.ambiente.sp.gov.br). Além desses pressupostos, visa a lei erradicar com as práticas de disposição final de resíduos sólidos ambientalmente incorretas, tais como os Lixões, Aterros Controlados e Bota-Foras priorizando o uso de Aterros Sanitários (Figuras 2 e 3). A Tabela 1 oferece os dados de disposição final de resíduos sólidos no Brasil.
Aterros Sanitários constituem um processo para disposição final de resíduos sólidos no solo, fundamentado em critérios de engenharia e normas operacionais específicas, permitindo seu confinamento seguro em termos de controle de poluição ambiental e proteção à saúde pública (Bocchiglieri, 2005). Dessa forma, há uma tendência mundial em se empregar Aterros Sanitários no sistema de gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU); atualmente, apresentam-se como a alternativa mais viável tanto do ponto de vista econômico, como na adequada destinação final do lixo (Renou et al, 2007). Entretanto, a geração de lixiviados contaminados permanece como uma inevitável consequência do uso de tal tecnologia (Souto e Povinelli, 2006; Wiszniowiski et al, 2005). Lixiviados de aterro sanitário, também conhecidos por Chorume, são definidos como efluentes líquidos gerados como resultado da percolação de água de chuva através dos resíduos sólidos dispostos em aterros sanitários, bem como da umidade natural desses resíduos. Tais efluentes podem conter uma grande quantidade de matéria orgânica (biodegradáveis e não biodegradáveis – refratários), onde os compostos húmicos constituem um importante grupo, assim como os compostos nitrogenados, metais pesados e sais inorgânicos (Renou et al, 2007; Moravia et al, 2006; Wiszniowiski et al, 2005; Çeçen e Çakiroglu, 2001; QASIM e CHIANG, 1994). A Figura 3A apresenta o lay out de geração do lixiviado em aterros sanitários.
A presença desses constituintes no lixiviado, atrelado a inexistência de engenharias de controle na maioria dos aterros, combinado com o fato de que muitos aterros inadivertidamente podem ter recebido no passado, ou atualmente, resíduos perigosos e industriais, acabam por gerar a liberação de substâncias potencialmente tóxicas, às quais poderão infiltrar pelo solo até atingirem águas subterrâneas ou escoar para águas superficiais (QASIM e CHIANG, 1994). Brown et al (1991) citado por QUASIM E CHIANG (1994), investigou a presença de toxicidade aguda e gênica em lixiviados de aterro sanitário. Em seu estudo, ele encontrou no lixiviado muitos dos mesmos componentes perigosos encontrados nos resíduos sólidos presentes nos aterros sanitários, caracterizando tais locais como uma séria ameaça à qualidade da água subterrânea. É interessante ressaltar que mesmo anos após ter-se exaurida a capacidade de recebimento de RSU para sua disposição final em aterros, o mesmo continua a gerar o lixiviado (Bocchiglieri, 2005). Os líquidos perclorados de aterros sanitários podem ser classificados de acordo com a “idade” que possuem em: • Lixiviados Novos – elevada DQO (>10.000mgO2/L), pH ácido, relação DBO/DQO > 0.3, alta concentração de ácidos graxos e de compostos nitrogenados; • Lixiviados Estabilizados – menor concentração de matéria orgânica biodegradável (DQO<4000mgO2/L) e elevada concentração de matéria orgânica refratária, pH alcalino, relação DBO/DQO<0.1. A tarefa de planejar e projetar uma instalação de tratamento de lixiviado de aterros sanitários exige o conhecimento da concepção de aterros, quantidade e qualidade do lixiviado gerado, o grau de tratamento necessário, e métodos de disposição final do efluente e de resíduos (QASIM e CHIANG, 1994). Entretanto, devido às características típicas desse lixiviado, alguns problemas são inerentes ao tratamento desse efluente, tais como: • A presença de compostos orgânicos recalcitrantes e potencialmente tóxicos como fatores determinantes na seleção e utilização de tecnologias de tratamento; • A variabilidade da composição dos lixiviados de diferentes aterros são tais que impossibilita a existência de uma tecnologia que atenda a todas as situações; • A composição do lixiviado sofre a influência de fatores climáticos e hidrológicos – regimes de chuva; • A quantidade e constituição do lixiviado alteram-se de acordo com a idade do aterro. Ressalta-se que fatores como: taxa de precipitação anual, temperatura média, tipo de compactação, idade do aterro, entre outros, também influenciam na composição do lixiviado gerado. Diante desse quadro, algumas alternativas são propostas na direção de estabilizar esse Chorume e melhor dispô-lo na natureza. A seguir, abordar-se-á algumas dessas tecnologias.
Processos Físico-Químicos Coagulação/Floculação Processos de Coagulação e Floculação podem ser empregados na remoção de compostos orgânicos não biodegradáveis e metais pesados presentes em lixiviados de aterro sanitário (Renou et al, 2007). O mecanismo de coagulação desestabiliza as partículas coloidais por meio da ação de produtos químicos chamados de Coagulantes, sobretudo, sais de Ferro e Alumínio, uma vez desestabilizadas as partículas, segue-se a etapa de floculação, onde haverá o incremento do tamanho dos flocos os quais, em seguida, poderão ser separados da fase líquida por meio da sedimentação. Em geral, o emprego dessa técnica envolve ajustes de pH e diferentes adições dos coagulantes. De um modo geral, os dados obtidos na literatura apontam para o emprego de processos de Coagulação/Floculação em lixiviados de aterros sanitários novos apenas como forma de pré-tratamento, em função dos baixos índices de remoção quando comparados com outras técnicas. Por outro lado, é possível obter-se excelentes índices de remoção de compostos refratários no tratamento de lixiviados estabilizados. Renou et al (2007) cita a eficiente remoção de metais pesados em lixiviados estabilizados com uso de FeCl3 em pH 9. Amokrane e colaboradores (1997), citado por Wiszniowski et al (2006), indicam a remoção de DQO e COT na ordem de 10 a 25% em lixiviados novos, e de 50 a 60% em lixiviados estabilizados. Os mesmos pesquisadores citam os trabalhos de Tatsi (2003), no qual se obtém eficiências de remoção de DQO em cerca de 75% em lixiviados estabilizados, contra remoção de 25 a 38% em lixiviados novos. Kurniawan et al (2005) cita, também, trabalho do grupo de pesquisa de Tatsi, tratando lixiviado estabilizado proveniente do Aterro de Thessaloniki – Grécia, onde através de ajustes de pH e com adição de 1.5g/L de FeCl3, obtém taxa de remoção de 80% de DQO. Fernández-Sánches et al (2008) apresenta dados referentes a remoção de DQO em lixiviados novos da ordem de 26%, empregando Cloreto Férrico, Sulfato de Alumínio e Policloreto de Alumínio (PAC). De acordo com Renou et al (2007), a combinação de coagulantes ou a adição conjunta de auxiliares de floculação, podem melhorar a taxa de sedimentação e assim melhorar a performance do processo em mais de 50%. Contudo, aponta os autores que, em contrapartida, observa-se o aumento do volume de lodo gerado, bem como a maior presença de ferro e alumínio no sobrenadante.
Precipitação Química Geração de Estruvita Compostos nitrogenados estão presentes em altas concentrações nos lixiviados de aterros sanitários, o que acabam por afetar significativamente o desempenho de processos de Lodos Ativados Convencional. Observa-se redução da remoção de DQO de 95 para 79% quando a concentração de nitrogênio amoniacal é aumentada de 50 para 800mg/L (Li et al apud Renou, 2007). Dessa forma, muitos trabalhos têm investigado a formação de Estruvita (fosfato de magnésio e amônio) na remoção de compostos nitrogenados como alternativa de pré-tratamento de processos biológicos. Kurniawan et al (2005) cita a remoção de nitrogênio amoniacal de lixiviado proveniente do Aterro Odayeri, Turquia, onde cerca de 50% da DQO e 90% do Nitrogênio Amoniacal foram removidos. Li et al apud Renou (2007) comenta que obteve redução da concentração de amônia de 5600 para 110mgN-NH4+/L, devido a formação de estruvita. Estudos conduzidos por Calli et al apud Kurniawan et al (2005), obtém uma ótima relação estequiométrica entre Mg:NH4:PO4, da ordem de 1:1:1 para formação de estruvita. Testes conduzidos com lixiviado novo do Aterro de Komurcuoda, Turquia, tiveram remoção de 98% de Nitrogênio Amoniacal em pH 7,5. Estudo similar, empregando lixiviado estabilizado do Aterro de Went, Hong Kong, também apresentou índice de remoção de Nitrogênio Amoniacal de 98%, em pH 9,0 após 15 minutos. A formação do precipitado de estruvita segue a seguinte reação:
A vantagem da precipitação de estruvita é que o lodo gerado após o tratamento pode ser utilizado como fertilizante pela agricultura, como fonte de nitrogênio, isso no caso do lixiviado tratado não apresentar metais pesados (Chan et al, 2005).
Adsorção em Carvão Ativado Devido a suas propriedades, tais como grande área superficial, estrutura microporosa, alta capacidade de adsorção e superfície reativa, o uso de Carvão Ativado Granular (CAG) ou em Pó (CAP) tem sido largamente empregado nos processos de tratamento de lixiviados de aterro sanitário, sobretudo na remoção de compostos não biodegradáveis. Basicamente, o processo de adsorção consiste na transferência de compostos presentes na fase líquida para a superfície reativa, seguida da vinculação desse material nos “vazios” do carvão ativado devido a interações físicas e/ou químicas.
Wiszniowski et al (2006) comentam que a aplicação de adsorção em carvão permite a remoção de 50 a 70% de DQO e N-NH4+. Kurniawan et al (2005) apresentam resultados de remoção da ordem de 90% para DQO, reforçando sua aplicabilidade, sobretudo, na redução de compostos orgânicos refratários (não biodegradáveis). Uygur e Kargi (2004) apud Aziz et al (2011) comenta que o emprego de CAP pode melhorar significativamente o desempenho de SBR tratando lixiviado. Aziz et al (2011) apresenta dados relativos ao tratamento conjugado de SBR+CAP, onde com a adição de 10g/L de CAP em um reator de 2L com 10% de chorume, foi possível obter remoção de compostos nitrogenados da ordem de 95%, DQO de 78% e cor de 65%. Li et al (2010) realizaram experimentos com lixiviado estabilizado combinando o uso de coagulantes (FeCl3, Al2(SO4)3, PoliCloreto de Alumínio e PoliSulfato Férrico) com CAP. Os testes foram conduzidos, primeiramente, visando a obtenção da ótima dosagem de cada coagulante e, posteriormente, com a adição de diferentes dosagem de CAP variando de 0,5 a 50g/L ao sobrenadante. Foi possível, dessa forma, comparar a ação combinada de cada coagulante com a adição de CAP. Os melhores resultados obtidos pelos pesquisadores foram com a adição de 10gCAP/L em 90minutos de tempo de contato, com significativa redução de DQO (53-70%), Sólidos em Suspensão (>93%), Turbidez (>99%) e Toxicidade (78%). Outros materiais já foram testados como adsorventes obtendo resultados similares de remoção, tais como zeólita, vermiculita, bentonita, alumina ativada etc..
Tratamento Combinado de Lixiviado de Aterro com Esgoto Sanitário De acordo com Ferreira et al. (2009), o tratamento combinado de lixiviado de aterro com esgoto sanitário é uma das alternativas adotadas em vários países. O baixo custo operacional, bem como a facilidade de manutenção reforçam o uso dessa técnica. Entretanto, a presença de compostos inibidores, como a alta concentração de nitrogênio amoniacal e/ou compostos refratários, podem reduzir a qualidade do efluente gerado na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) (Renou et al, 2007). De forma geral, o processo mostra-se mais eficiente no tratamento de lixiviados novos de aterro sanitário, com o tempo, a maior concentração de compostos refratários tende a limitar a eficiência do processo, o que o torna não indicado para tratar lixiviados estabilizados (Renou, 2007). Na Região Metropolitana de São Paulo, os lixiviados dos aterros: Bandeirantes, São João, Santo Amaro e Vila Albertina são enviados para as ETEs Barueri e Suzano. Na Tabela 2, são apresentadas as proporções entre esgoto sanitário e lixiviado nos afluentes das tais ETEs.
McBean et al. (1995), recomendam relação volumétrica entre o lixiviado e esgoto abaixo de 2%. Grandes volumes de lixiviado adicionados ao sistema de tratamento de esgotos podem ainda resultar em efluentes tratados com elevadas concentrações de matéria orgânica e nitrogênio amoniacal. Boyle & Ham (1974) demonstraram que um lixiviado com DQO de até 10.000 mg/L pode ser tratado em uma mistura de 5% em volume sem alterar a qualidade do efluente final, através de processo de lodos ativados com aeração prolongada. Henry (1987) demonstrou que lixiviados com elevados valores de DQO (24.000 mg L-1), quando combinados até 2% em volume com águas residuárias municipais, não causaram alterações significativas no desempenho de ETE.
Diamadopoulos et al. (1997) propuseram o uso de um reator de lodos ativados operando em batelada sequencial em laboratório para monitorar o tratamento biológico dos efluentes combinados. Com a adição de lixiviado (DBO de 2000 a 4700mg/L, DQO de 4700 a 12000mg/L e N-NH3 de 405 a 920mg/L) no percentual de 10% em volume da mistura, foram obtidos de 70 a 98% de remoção de DBO e 35 a 50% de remoção de nitrogênio total. QASIM e CHIANG (1994) utilizando um Reator Sequencial de Batelada (SBR) obtiveram remoção de 72 a 79% de DQO e COT; 98% de DBO e 72% de compostos nitrogenados. Klimiuk e jKulikowska (2006) realizaram, também, experimentos com SBR, variando o Tempo de Detenção Hidráulica (HRT) com dosagens de chorume variando de 5 a 25%. Com HRT da ordem de 2 dias, obtiveram 97,5% de remoção de matéria orgânica. Ehrig (1998) apresenta trabalhos desenvolvidos em laboratório, simulando processos de lodos ativados, onde a adição de lixiviados variou de 1 a 16% em volume na mistura. Os valores de DBO e DQO nos efluentes finais foram crescentes com o aumento da proporção de lixiviado adicionado. O aumento efetivo de DBO e DQO nos efluentes finais pode ser resultado da deficiência de nutrientes (fósforo) em comparação à adição de carga orgânica não-biodegradável. Em todos os experimentos, a velocidade de sedimentação do lodo aumentou com a adição de lixiviados. Buscando estudar a remoção de nutrientes no tratamento combinado de lixiviado e esgoto, Cossu et al. (1998), montaram em laboratório duas seqüências idênticas de reatores anaeróbios, anóxicos e aeróbios. Uma das linhas foi alimentada com esgoto e a outra com misturas de lixiviado variando de 1 a 5% em relação ao esgoto. Os resultados obtidos mostraram que a eficiência de remoção de nitrogênio e fósforo e as velocidades de nitrificação e denitrificação foram maiores na linha operada com lixiviado e esgoto. Durante 12 meses de operação dos sistemas, não foram notados indicativos de inibição do processo biológico nem problemas de instabilidade nos reatores. O uso de reatores híbridos do tipo Moving-bed biofilm reactor (MBBR) foi testado por Welander et al apud Renou (2007). O sistema MBBR faz emprego da biomassa em suspensão comumente encontrada no sistema convencional de Lodos Ativados, com o incremente de biomassa aderida a pequenos corpos plásticos de alta área superficial. Em seu trabalho, o pesquisador e sua equipe alcançaram 90% de remoção de nitrogênio amoniacal e cerca de 20% de DQO.
Conclusão O emprego da técnica ideal de tratamento para lixiviado de aterro sanitário garante a redução do impacto do lançamento desse resíduo no meio ambiente. Entretanto, a complexidade na composição do lixiviado pode acarretar em dificuldades ao se formular uma recomendação geral de tratabilidade. Variação nos Aterros Sanitários, em particular no tempo de operação, podem significar o emprego de diferentes tipos de tecnologias para cada situação. As tecnologias de tratamento de lixiviado de aterro sanitário podem ser classificadas como: Processos Biológicos ou Processos Físicos-Químicos, podendo haver variantes de combinações entre ambos processos. De uma forma geral, os Processos Biológicos mostram-se mais eficientes para tratamento de lixiviados estabilizados, enquanto que os Processos Físicos-Químicos para lixiviados novos.
Fábio Campos Mestre em Engenharia Sanitária - EPUSP, Doutorando da Faculdade de Saúde Pública da USP
|