11/10/2011 - Revitalização x Transposição: o dilema do São Francisco continua

11/10/2011


desmandos que um diminuto grupo política e economicamente poderoso faz para si mesmo, na Bacia do São Francisco e no Nordeste, com vultuosos recursos públicos, sob o manto da democracia representativa, em nome do “desenvolvimento” social e da proteção ambiental?”. O texto integra manifesto da Articulação Popular São Francisco Vivo.


Eis o manifesto.

O Rio São Francisco completa hoje 510 anos de seu “batismo”. O Opará dos indígenas – “rio-mar” ou “sem paradeiro definido” – tornou-se ao longo dos séculos “rio dos currais” e “rio da integração nacional”, gerador de energia elétrica e grande polo de irrigação agrícola. Nos últimos 70 anos, intensificaram-se as produções de riquezas em suas margens e em seus biomas formadores (Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga).

Em consequência, as degradações várias e cumulativas chegaram ao ponto do quase esgotamento do seu complexo de vida. Foi de 35% a perda de sua vazão nos 56 anos entre 1948 e 2004, segundo o Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), do Colorado, nos Estados Unidos, a mais grave entre os maiores rios do mundo. Os maiores impactos recaem sobre a população pobre da Bacia Hidrográfica. Mais que sobreviver, ela resiste, toma iniciativas e cobra uma revitalização real já! É quase só isso o que se tem a celebrar hoje!

A Articulação Popular São Francisco Vivo (SFVivo), que congrega cerca de 300 entidades sociais da Bacia, entre movimentos, associações, sindicatos, pastorais e ONGs, vem a público e perante as autoridades para denunciar a continuidade dos desmandos contra o rio e seu povo, e convocar todos e todas a se unirem em iniciativas concretas em defesa da vida que ainda resta no São Francisco – Terra e Água, Rio e Povo.

Quatro anos depois de iniciado o projeto de transposição para o Nordeste chamado setentrional, as principais críticas ao projeto já se revelam verdadeiras. A revitalização da Bacia, tarefa imensa, cobrada há tempos, veio num programa governamental mínimo como “moeda de troca” pela transposição, e se arrasta incompleta, insuficiente, sob suspeitas de corrupção, sujeita ao jogo dos interesses político-eleitorais. Pensa-se encobrir as evidências com eventos festivos e shows de artistas famosos durante esta semana, em algumas cidades ribeirinhas, sob o slogan de “São Francisco Vive”, cópia mal intencionada da divisa de nossa Articulação. Pretender com marketing “resolver” a grave situação do Velho Chico é tripudiar sobre a sorte de milhões de pessoas e um inúmero conjunto de espécies e formas de vida.

Transposição: obras confirmam críticas

Nossas críticas e alertas quanto à transposição, feitas por organizações da sociedade civil e cientistas isentos, que sempre contestaram a obra e suas razões, já se comprovaram:

1. A obra seria muito mais cara que o previsto: de R$ 5 bilhões iniciais já estão reajustadas em R$ 6,8 bilhões, um adicional de 1,8 bilhão, 36% em média. Há lotes ainda não relicitados, o que vai onerar ainda mais o preço final;

2. Não atenderia a população mais necessitada: efetivamente, não entregou uma gota d’água para nenhum necessitado; antes desmantelou a produção agrícola local por onde passou;

3. O custo da água seria inviável: hoje o governo reconhece que o metro cúbico valerá cerca de R$ 0,13 (poderá ser ainda bem maior), seis vezes maior que às margens do São Francisco, onde muitos irrigantes estão inadimplentes por dívidas com os sistemas de água. Para ser economicamente viável, este preço terá que ser subsidiado, e é certo que o povo pagará a conta;

4. Impactaria comunidades indígenas e quilombolas: comunidades quilombolas impactadas são 50 e povos indígenas nove. As demarcações de seus territórios foram emperradas, seus patrimônios destruídos. No caso dos truká, em Cabrobó, em Pernambuco, em cuja área o Exército iniciou o eixo Norte, o território já identificado é demarcado se aceitarem as obras. No caso dos tumbalalá, em Curaçá e Abaré, na Bahia, na outra margem, se aceitarem a barragem de Pedra Branca. Ainda não foram demarcados pela Funai os territórios pipipã e kambiwá, a serem cortados ao meio pelos futuros canais, ao pé da Serra Negra, em Pernambuco, monumento natural e sagrado de vários povos. Muitas destas comunidades ainda resistem. O povoado e o assentamento de reforma agrária em Serra Negra não admitem a execução das obras em seu espaço;

5. Destruiria o meio ambiente: grandes porções da Caatinga foram desmatadas. Inventário florestal levantou mais de mil espécies vegetais somente no eixo Leste;

6. Empregos precários e temporários: como sintetizou o cacique Neguinho Truká, “os empregos foram temporários, os problemas são permanentes”. Em Cabrobó, nada restou da prometida dinamização econômica, só decepção e revolta. Nas cidades onde a obra passou ficou um rastro de comércio desorganizado, casas vazias, gente desempregada, adolescentes grávidas…;

7. Arrastada no tempo, a obra se presta a “transpor” votos e recursos: não debela, antes realimenta a “indústria política da seca”. Nova previsão de data para conclusão: 2014! Vem mais uma eleição aí, em 2012, outra em 2014…;

8. Faltam duas das consequências graves a serem totalmente comprovadas, que só teremos certeza se a obra chegar ao fim: vai impactar ainda mais o Rio São Francisco e não vai levar água para os necessitados do Nordeste setentrional. Enfim, a água da transposição é para o agro-hidronegócios e polos industriais de Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco.

Portanto, mantemos a crítica ao projeto. O governo reconhece oficialmente que cinco lotes estão parados e os nove restantes estão em ritmo lento. Já foram gastos R$ 3,5 bilhões na obra. Alegam que a obra “começou sem ter qualquer projeto executivo”, pelo que se deveriam prever custos… Já é longo o histórico de problemas do projeto, seguidas vezes suspenso ou sob suspeição do Tribunal de Contas da União. A pressa era eleitoral, o retardo é venal!

A título de comparação, pensando em menos custos, mais eficiência e eficácia, com esse dinheiro poderiam ter sido feitas 2.187.500 cisternas, beneficiando uma população total de 11 milhões de pessoas.

Em outra opção, com esses recursos, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), poderiam ter sido custeadas mais de um terço das adutoras previstas para o Nordeste não entrar em colapso hídrico até 2025. Portanto, já teria beneficiado seguramente 12.883.333 de pessoas. Com metade dos recursos da transposição, já teria sido beneficiada mais gente que a obra promete atender, ou seja, 12 milhões de pessoas. Entretanto, nenhuma dessas adutoras está em andamento!

Com o programa “Água para Todos”, o governo Dilma intensificou o programa de cisternas para abastecer a população difusa com mais 800 mil unidades. É um tácito reconhecimento de que as propostas da sociedade civil eram as mais corretas para abastecimento doméstico da população. E de que a transposição não é para matar a sede de 12 milhões!

Ainda há tempo de preparar a região para o presente e o futuro em termos de segurança hídrica. Segundo o Atlas Nordeste da ANA seriam necessários pouco menos de R$ 10 bilhões para abastecimento urbano de 39 milhões de pessoas em 1.794 cidades dos nos nove Estados da região. Obras que a despeito da transposição terão que ser feitas.

O aquecimento global poderá significar para o semiárido quase o dobro de aumento da temperatura em outras regiões. Não é aconselhável expandir os negócios intensivos em água e solos, ainda que sejam agora altamente lucrativos, com subsídios públicos e demandas crescentes do mercado global. É uma escolha política, não uma sina econômica.

Revitalização paliativa

O programa governamental de revitalização em nada foi melhorado. Continua setorial e desconexo, longe das causas estruturais dos processos de degradação socioambiental da bacia. Reduz-se a obras de saneamento básico e ambiental, melhoria da navegabilidade e recuperação de matas ciliares. Avançou um pouco mais nas primeiras, mas com muitos problemas como se verá, e quase nada nestas últimas. Em se tratando de transposição e revitalização, dois são os pesos e duas as medidas.

Numa falsa abertura à participação da sociedade coletou mais de 300 propostas, a maioria das quais o Ministério da Integração descartou por não apresentarem ou não se transformarem em projetos exequíveis, dentro dos marcos legais… Está-se a sugerir que a sociedade é a culpada por não se recuperar seu rio?

A título de Programa de Revitalização do Rio São Francisco (PRSF) incluem-se todas as ações possíveis do governo federal, de vários setores, muitas em parcerias com os governos estaduais da Bacia, de modo a inflar as aparências. Nos períodos eleitorais temos assistido como se decidem as destinações de verbas, para os mais variados fins… E não há transparência, não se tem como saber muito menos acompanhar o andamento das ações.

No site do Ministério da Integração os dados estão desatualizados. Falam de aplicados R$ 194,6 milhões entre 2004-2007 e da “previsão” de R$ 1,2 bilhão no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) 2007-2010. No caso do “esgotamento sanitário” seriam atendidos todos os 102 municípios da calha do rio. O último relatório do programa disponível é de dezembro de 2007… Já o site do Ministério do Meio Ambiente fala que “as ações para a revitalização estão inseridas no Programa de Revitalização de Bacias Hidrográficas com Vulnerabilidade Ambiental do Plano Plurianual (PPA 2004-2007 e PPA 2008-2011) e será complementado por outras ações previstas em vários programas federais do PPA”… E de fato aparecem setorialmente neles. Já à agenda não se tem acesso em site nenhum, nem à execução orçamentária… Inevitável a pergunta: o que se quer esconder?

Fomos conferir de perto aquelas que nos parecem as obras principais do PRSF: as de esgotamento sanitário. Membros da SFVivo percorreram o traçado destas obras em algumas cidades ribeirinhas. Parte do que relataram segue em anexo no DOSSIÊ “CAMINHO DO ESGOTO”.

Até quando a sociedade barranqueira e brasileira vai assistir conformada aos desmandos que um diminuto grupo política e economicamente poderoso faz para si mesmo, na Bacia do São Francisco e no Nordeste, com vultuosos recursos públicos, sob o manto da democracia representativa, em nome do “desenvolvimento” social e da proteção ambiental? Reciclam-se os discursos (sustentabilidade) e os métodos (corrupção), para continuar a mesma sina (dominação e exploração). O planeta dá sinais de que não suporta mais, a humanidade se rebela em ruas e praças. Há esperança, e ela vem do povo unido e organizado. Como neste 510º 4 de outubro, ao dar a quem tanto nos ofereceu o “gole d’água” de sua luta pelo São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!

 

Articulação Popular São Francisco Vivo.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.

(IHU On-Line)



Fonte: http://envolverde.com.br/






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